Gnose e o pensamento russo
Dados Históricos
O povo russo foi convertido à versão grega oriental do cristianismo mas ele a recebeu em uma liturgia em eslavo e uma Escritura cirílica (kirilliza), totalmente desconhecidos no restante do mundo cristão. Este uso de uma língua particular foi um obstáculo essencial a penetração da cultura cristã ocidental na Rússia. Esse obstáculo foi análogo àquele que o árabe representou na expansão do Islã entorno do Mediterrâneo. Entretanto o obstáculo do eslavo não foi tão radical quanto o árabe porque a religião cristã continuava essencialmente a mesma, de uma parte a outra.
É importante notar igualmente esta catástrofe que foi para as populações da Rússia a invasão mongol e a destruição de seus centros urbanos que provocou durante dois séculos a emigração para as florestas setentrionais e o retorno a uma semi-selvageria.
O clero ortodoxo conservou durante bastante tempo, no curso da Idade Média, o uso do grego. Se pode ver, então, no curso do XI° e XII° séculos, prelados russos como Cirilo de Tourov ou o metropólita de Kiev, Clemente, sustentar polêmicas com grande uso e peso do grego sobre questões de exegese ou ciências especulativas.
Depois do cisma grego e sobretudo depois da queda do Império Bizantino, o uso do grego se perdeu entre o clero russo. E como se ignorava o latim, ficaram completamente isolados do restante da Cristandade. Com efeito, o latim era o veículo da cultura e das ciências em todo o Ocidente; estava ai a fonte de todo o ensinamento cristão.
Ao passo que na Europa a Igreja latina contribuia para difundir uma cultura admirável por seus mosteiros, universidades, ordens religiosas, na Rússia, o clero reduzido a uma liturgia eslava, se desinteresava pelo ensinamento. Ele colocava em relevo a celebração litúrgica com um ritualismo rigoroso e formalista. Negligenciava o dogma e a moral e, de um so golpe, perdeu toda a influência profunda sobre as almas.
O povo ficou abandonado de instrução religiosa. Aqueles que sabiam ler o eslavo se contentavam com a “Tchétia-Munéia”, o martiriológio dos Santos. Para os outros, a religão popular foi marcada de ignorância, de supertição e de magia: uma literatura popular, impregnada do maravilhoso, continuamente tirada dos apócrifos da Bíblia ou de livros apocalipticos dos quais as interpretações extravagantes não podiam fazer senão turbar as almas ou as aterrorizar.
Enquanto se desenvolvia no Ocidente latino uma filosofia, uma teologia e ciências religiosas admiráveis que se designaram sob o nome de “escolástica”, a Igreja Russa se manteve de fora dessa corrente de pensamento cristão. O clero mostrou somente desprezo pelos problemas doutrinais, as definições, as deduções lógicas; o que eles recusavam sob o nome de “racionalismo latino”.
Se conderam assim, à estagnação intelectual e moral.
“Não se pode fazer uma ideia da fé ordoxa russa segundo a teologia oficial, escreve Berdiaeff em ‘A Ideia Religiosa Russa’, a fé ortodoxa russa não conhecia ponto de doutrina teológica obrigatória e constituida em sistema, ela não teve escolástica. O racionalismo teológico é o que convém menos à consciencia religiosa russa, a ideia religiosa russa implica que o mistério da vida divina não pode ser exprimido em uma concepção racional.”
Rejeitando a escolástica e recusando o uso natural da razão nos estudos religiosos, a Igreja russa se tornou inapta para resistir as influências ocidentais que penetrariam em seu país apartir do século XVII. É verdade que nessa época a Universidade de Kiev começa a dar seu ensinamento em latim. Infelizmente, esse foi uma verdadeira subversão anti-religiosa.
Quando Pedro, o Grande começa a abrir a Rússia ao Ocidente, foi o protestantismo que se infiltrou em seu vasto Império. Ele mesmo, Pedro, o Grande, não recebera nenhuma formação religiosa sólida, nenhum ensinamento moral. Um padre jesuíta, o pe. Milan, precisava em uma carta a seus superiores: “Sem um milagre de primeira grandeza, não há esperança que o Kzar se transforme e se entenda com o Vaticano. Grandes obstáculos se opõe a isso: precisaria se submeter a autoridade do Papa e aos rigores da moral, de renunciar ao pecado e ao abuso de poder.”
Com efeito, foi um príncipe fantástico e violento, capicioso e adulador, de uma inteligencia viva mas sem rigor e firmesa. Desse modo, quando conheceu um homem superiormente dotado, muito persuasivo, lhe foi totalmente sujeitado. Se trata de Teodoro Prokopovitch.
Antigo aluno do Colégio Grego Santo Atanásio, fundado em Roma por Gregório XIII, este último, de retorno a Rússia, abjura da fé católica e se lança em uma admiração ingênua pela filosofia de Bacon e de Descartes. Daí ele tira teorias protestantes em matéria de dogma, de vida social e religiosa. Ele ensina ao Kzar Pedro a superioridade da moral laica sobre o ensinamento da Igreja e exatamente protestante de um Estado que controla a vida espiritual de um país.
Pedro pende para o luteranismo, frequenta os templos protestantes, protege os Quakers e os estrangeiros, com a condição de que eles pertençam a Confissão de Augsboug. Um de seus primeiros favorecidos foi um ardoroso calvinista, o general Lefort. Todos os estrangeiros que ele atrai a Rússia eram protestantes.
Sob o reinado da Imperatriz Ana, ou seja, sob a tirania de seu favorito, Biren, os protestantes foram os mestres absolutos do Império. “Nesta época, diz Mons. Filarète, a guarda, os colégios (ou seja, ou ministérios), a academia de ciências, o exército, a marinha, estavam em poder dos protestantes.” Prokopovitch trabalhava diante de Biren: depunha, aprisionava, maltratava os bispos russos insuficientemente dóceis. O sinodo criado pelo Kzar Pedro nomeava ao episcopado padres já adeptos a reforma protestante. Serão estes bispos que, no século XVIII, acolherão de braços abertos as lojas maçonicas e o ensinamento dos “filósofos” franceses.
Isso que se chamou na Rússia de “partido alemão” era, com efeito, o “partido protestante” e foi todo poderoso durante dois séculos.
Os Romanov abriram a Rússia ao mundo ocidental e ao materialismo das cidades européias. Laçaram a moda dos enciclopedistas franceses e da filosofia alemã.
“Quando a Rússia se abriu à influência de fora, escreve Henri Massis, foi para beber em grandes quantidades os erros de uma Europa já decadente e corrompida da qual nada se podia guardar.” Desde o “Contrato Social” e as antinomias de Kant, até o materialismo histórico de Karl Marx, os russos acolheram, com um sombrio ardor, todos os sistemas os mais perigosos e os mais destruidores da fé cristã. Dois séculos foram suficientes para entregar o país ao inferno Bolchevique.
AS FONTES DA FILOSOFIA RUSSA
A Franco-Maçonaria foi fundada em Londres em 1717. Nos vinte anos que se seguiram ela se espalhou por toda a Europa pela ação perseverante do governo Inglês. Ela foi introduzida na Rússia muito cedo pelos protestantes ingleses, sob a impulsão de três homens enérgicos – Novikov, Schwarts e o príncipe N. Troubetskoi – ela se espalhou em toda a elite cultivada russa, de sorte que todo o pessoal político e religioso do governo Kzarista estava afiliado às lojas. Elas se multiplicaram no curso do século XVIII em todas as principais cidades da Rússia, especialmente em Moscou e São Petsburgo.
Novikov funda então a primeira grande casa de impressão da Rússia. Ele difunde toda a literatura iluminada do Ocidente. Ele publica em 1775 o livro de Claude de Saint-Martin: “Dos Erros e da Verdade” traduzido em russo. Ele funda igualmente a “Sociedade dos amigos”, cenáculo literário onde passaram quase todos os escritores e homens de estado destinados a estar juntos ao Imperador Alexandre I°. Karamsine, Kiréevski faziam parte deste grupo. Esses jovens maçons traduziram e espalharam nas escolas as obras de filosofia iluminista.
O gran-duque, Paulo, o futuro Imperador Paulo I°, foi iniciado nos mistérios swedenborgianos da maçonaria sueca. Existe um retrato onde ele traz as insignias. Sua esposa, a futura Imperatriz Maria Féodorovna encontrou Saint-Martin em seu principado prussiano de Motbéliard.
Um professor alemão, Johann Schwarz, funda o braço russo da Rosa-Cruz para espalhar o saber filosofico, o aperfeiçoamento moral a fim de “se tornar sem pecado como Adão antes da queda”. Seu continuador, Lovoukine, que foi padrinho de Kiréevski, desenvolve o pensamento gnóstico e iluminista em sua obra “Alguns Traços da Igreja Interior”, reeditado em francês em 1800.
Ai se encontra temas bem conhecidos da queda de Adão, criado androgêno, exilado do mundo da luz, da regeneração final, da Igreja interior, do qual a Igreja estabelecida não passa de uma figura exotérica, a difusão do monaquismo hesicasto (tranquilidade em grego) forma grega do Quietismo(1).
É Lopoukhine que fará editar Paracelso e Marcário do Egito, Molinos, Claude de Saint-Martin e Gregório Palamas, introduzindo certos Padres gregos em suas coleções maçonicas. A Imperatriz Catarina II, no princípio favorável a todo esse movimento, começa a ter medo dos princípios da Revolução Francesa. Ela manda, então, fechar as lojas, prender os livros suspeitos e condena Novikov. Foi então que Mons. Platon, arcebispo de Moscou escreveu a Imperatriz: “Eu peço ao Céu para que se possa encontrar um outro cristão como Novikov, não somente no rebanho que Deus nos confiou, a mim e a vós, mas no mundo inteiro.” Um bispo ortodoxo vindo em socorro de um ‘Irmão’...
Com o advento de Alexandre I° a maçonaria se instala como mestra sobre o trono, sobretudo quando Spéranski se tornou confidente do Imperador. Alexandre se convertera ao iluminismo com sua amiga, Madame de Krudener. O dominio foi total. Toda a elite intelectual, toda a nobresa se precipita nas sociedades bíblicas, nas lojas martinistas, rosas-cruz e swedenborgianas.
Em um carta a sua irmã, Alexandre explica a diferença entre a Igreja interior e a Igreja exterior (digamos em linguagem maçonica – esotérica e exotérica). Lhe recomenda Arnold, Swedenborg, Saint-martin, a Imitação, Tauler, todos os clássicos da mística ilumininativa.
Se encontra na corte do Kzar os Irmão Morávios, Quakers, Jung Stilling, Baader. A Sociedade Bíblica de São Petsburgo, estabelecida pelos maçons ingleses, traduziu a Bíblia em russo vernacular. No St-Sinodo reinava o principe Calytsine e seus amigos, Labzine, um aluno de Schwartz e Kochelev, amigo de Lavater, de Saint-Martin e de Eckarthausen. A Rússia, desde o princípio do século XIX, é completamente maçonizada em sua elite intelectual e religiosa.
Na mesma época, a Academia de Kiev que forma o auto clero da Igreja Ortodoxa admitia totalmente ao ensinamento da filosofia de Wolf, de Winckler e de Baumeister que expõe as teorias de Leibnitz. Essa Academia contava já, desde Pedro, o Grande, até 2000 estudantes. Muitos se destinavam aos mais altos cargos eclesiásticos e detinham a maior parte das cátedras de filosofia em outras universidades russas. Se compreende então a gravidade dessa ‘tomada’ pela filosofia moderna.
Em 1804, se publica Fichte, a primeira tradução de Kant. Um professor de fisiologia, Daniel Mikailovitch Vellanskii, antigo aluno de Kiev, prega a filosofia da natureza de Schelling, um panteísta gnóstico. Um outro antigo de Kiev, Mateus Mikailovitch Troiskii se torna professor nas universidades de Kazan, Varsóvia e de Moscou. Ele publica obras impregnadas de empirismo inglês, do qual a “Psicologia Alemã” demonstra que a alma é metafisicamente indemonstrável.
– Certos monges gregos, em particular do Monte Athos, tinham a prática de um singular método de oração: ficar imóveis, assentados em um canto da cela, com os olhos semi-fechados e fixados sobre o umbigo. Eles diziam que prolongando esta atitude terminariam por ver uma viva luz que os envolvia por toda a parte e que lhes sopravam ao nariz. Eles não hesitavam em lhe dar o nome de ‘divindade’. Estas luzes eram multiplas. Eles diziam que essas luzes eram divindades de uma ordem inferior, mesmo increadas, difundidas na natureza. Era a ‘meditação do umbigo’!
Esse extraordinário crescimento do iluminismo e teosofismo vai exercer uma infuência fortíssima sobre a direção geral da cultura russa e sobre a literatura subsequente. Com efeito, o ‘pathos’ do romance russo nasceu dessa invasão do sentimento religioso por um pietismo extravagante. A alma é convidada a se disolver na fluidez das emoções, das lágrimas, da angustia, das confissões mutuas, de confidências a todo instante. Há mesmo uma dissolução procurada e cultivada da razão e do bom senso. Esse romantismo impregna toda a literatura do século XIX.
Simultaneamente, a mesma sensibilidade pietista e iluminada se desenvolveu na Igreja Ortodoxa. Em fins do século, na Moldávia, um monge athonita ucraniano, Paisi Velitchkovski, traduzira do grego para o eslavo, depois para russo, a “Philocalia”, florilégio de ascética e mística, recolhido dos Padres orientais. Essa “Philocalia” foi o manual de uso do monaquismo russo.
Entretanto, a literatura religiosa russa foi, sobretudo, obra de leigos, professores de universidade. Formados, como dissemos mais acima, pela filosofia alemã e iluminista maçonica. Estes escritores iam procurar suas referencias religiosas entre os Padres Gregos, referências obrigatórias na tradição ortodoxa. Se produziu ai um equívoco cuidadosamente preparado para estancar a fonte ocidental e maçonica em proveito de uma fonte mais segura, aquela da fé ortodoxa. Foi um fenomeno bem visto e descrito por Alain Besançon.
Depois de ter construído seu sistema de pensamento sobre o idealismo alemão, estes pensadores e filósofos russos se colocaram a estudar Isaac o Sírio, São João Clímaco e os outros Padres gregos. Mas o leram com lupas “gnósticas”, por meio de Mestre Eckart, Suso, os místicos alemães, depois, Jacob Boehme, Swedenborg e outros mestres da maçonaria.
Ora, essa dupla leitura era possível porque o idealismo alemão era impregnado de neo-platonismo como o pensamento dos Padres gregos, apesar de uma diferença considerável. Estes últimos se esforçavam por ensinar a fé cristã em sua integridade, mas estavam impregnados pelo platonismo que reinava universalmente nesta época sobre os espíritos. Eles tinham dificuldade de fazer cohabitar neles as verdades da Fé às quais tinham primeiramente tendências gnósticas, vindas do platonismo e que rejeitavam energicamente. Alimentados de neo-platonismo, eles se esforçavam por endireitar e corrigir o que poderia cheirar à gnose, frequentemente com dificuldade.
Ao passo que nossos filósofos russos modernos empreenderam uma leitura gnóstica dos Padres gregos, constituiram uma falsa tradição que jamais existiu tal qual fora ensinado. Foram utilizados os mais heterodoxos desses Padres: Orígenes, Clemente de Alexandria, Pseudo-Dionisio, que são as referências habituais dos gnósticos modernos, não em vista de explicitar e de desenvolver sua fé cristã mas de ensinar uma visão cósmica e panteísta do mundo. Isso nós iremos demonstrar.
Os grandes temas gnósticos
Os principais filósofos russos do último século, Kiréevski, Khomiakov, Soloviev, Berdiaev reatualizaram no mundo moderno o gnosticismo de Orígenes e de Clemente de Alexandria e também a filosofia mística iluminada dos alemães Mestre Eckart, Jacob Boehme e Franz von Baader; tiraram dos Padre gregos e, notadamente, de São Gregório de Nissa uma gnose aparentemente cristã. Mas é preciso remontar bem mais alto para reconhecer a origem dessa corrente, o platonismo.
Está aí a chave dessa sintese gnóstica. É fundado sobre a doutrina do Logos que os escritores russos retomaram acentuando seu carater cósmico. Para Serpe Troubetzkoy (1862 – 1905) o Logos é o ponto vital entre a filosofia pagã e a Fé. Ele publicou a “Metafísica da Grecia antiga” em 1890; a “Doutrina do Logos” em 1900. Seu ensinamento, todo empregnado de Platão, teve um sucesso prodigioso.
Eis a reflexão entusiasta de um de seus ouvintes:
“E os circulos de estudos sobre Platão, feitos por Serge Nicolaievitch! Momentos inesquecíveis onde penetramos profundamente no mundo perdido dos diálogos do maior entre os pensadores; horas durante as quais nosso mestre se revelava em toda a extensão e riquesa de seus talentos. Enquanto estudava a cultura grega se tornava o sábio filólogo, interpretando com respeito cada palavra do texto de Platão. Enfim, era o dialético distinguido, desembolando atentamente os fios embolados do admirável pensamento platônico... Verdadeiramente vivíamos com Platão e participávamos de seu espírito."
Ainda e sempre a “sedução de Platão”!
Vejamos sua doutrina. Partimos sempre de Platão. Em seu mito da caverna, bem conhecido, ele ensina que o mundo conhecido no qual vivemos não é senão uma sombra, uma aparência do mundo ideal, pouco real. Eis uma distorção bastante considerável ao bom senso natural que ensina exatamente o contrário. Nossos filósofos russos, partindo deste ensinamento, afirmaram, em uma linguagem tirada do vocabulário cristão, que o mundo presente é somente uma imagem do mundo divino: eles dizem que é a “epifania”: Deus se manifesta no universo; digamos melhor, o universo é Deus se manifestando. A criação é o ato pelo qual Deus “se encarnou”. Ele saiu de si mesmo para se possuir em um “outro”, em um extra-divino. Ele se repete, por assim dizer. Ele se reproduz fora de si mesmo, continuando semelhante a si mesmo: “tudo é divino e irradia a beleza não terrestre do “mistério sofiânico” que é seu mistério” (Zander).
O homem também é a imagem reproduzida de seu modelo divino. Ele é Deus se manifestando em um “outro”. O homem é pois uma incarnação de Deus, para empregar a linguagem cristã a serviço da gnose. Se trata de um “panteísmo” que afirma que tudo está em Deus, um panteísmo orgiástico que aparece no século XVIII em Skorovoda, uma tensão apaixonada e violenta entre a transfiguração do mundo, a ressurreição da carne e sua absorção em Deus.
Daí nossos filósofos russos tiraram seu culto do povo majoritário, sua “Ethnolatria”. Kiréevski sofreu a influência profunda do panteísmo cosmico de Schelling. Ele pensa que a filosofia russa deve tirar da alma do povo russo toda sua substância.
Esta idealização do povo é comum a todos os pensadores russos e prepara os espíritos ao Marxismo. Khomiakoc quer atingir Deus atravez do povo: “Na consciência russa, diz, religião e povo são tão misturados que é difícil lhes distinguir. Na ortodoxia russa esta confusão chega até a identificar o elemento religioso e o elemento popular”.
E vê como submerso na vida do povo:
“Aquele que ama o povo russo não pode deixar de amar sua igreja, porque este povo e sua igreja são uma só coisa. E é somente entre os russos que estes dois elementos se fazem um”.
Esta idolatria do povo não é especificamente russa, ela está impregnada de todas as ideologias revolucionárias de todos os lugares desde há séculos.
Depois de ter idolatrado o povo, nossos pensadores russos passaram a idolatrar a terra russa. O culto da “Terra Alimentadora”, dizem, é especificamente russo. Absolutamente! É essencialemente pagão e a base de todos os cultos da Mãe Terra atravez de todos os povos da antiguidade.
Mas eles darão a este culto pagão uma cor abusivamente cristã, segundo uma lenda gnóstica já espalhada nos primeiros séculos cristãos, em particular entre os Elkasaitas:
“Quando a gota do Sangue derramada por Cristo no Gólgota, escreve Berdiaev em ‘Espírito e Liberdade’, toca a terra, esta se transforma, passa a ser outra; ela se renova e se nós não vemos com nossos olhos terrestres é por limitação de nossas faculdades receptivas. Toda a vida universal, toda a vida humana é já diferente depois da vinda de Cristo, ela representa uma nova criação”. Pelo contato com o Sangue de Cristo a terra é divinizada.
Os filósofos russos utilizaram mesmo o culto da Virgem, muito florescente no povo russo, para o paganizar. Uma verdadeira profanação! “A veneração a Virgem, escreve Boulgakov, é a alma da piedade ortodoxa, seu coração, o que aquece e reanima o corpo todo inteiro.”
A Virgem, Mãe de Deus, passa a ser aquela que realiza a “maternidade divina da terra”, aquela que foi chamada para gerar Deus. Berdiaev desenvolveu esta utilização escandalosa de um culto cristão em favor do retorno ao paganismo:
“Quando a gota do Sangue derramada por Cristo no Gólgota, escreve Berdiaev em ‘Espírito e Liberdade’, toca a terra, esta se transforma, passa a ser outra; ela se renova e se nós não vemos com nossos olhos terrestres é por limitação de nossas faculdades receptivas. Toda a vida universal, toda a vida humana é já diferente depois da vinda de Cristo, ela representa uma nova criação”. Pelo contato com o Sangue de Cristo a terra é divinizada.
Os filósofos russos utilizaram mesmo o culto da Virgem, muito florescente no povo russo, para o paganizar. Uma verdadeira profanação! “A veneração a Virgem, escreve Boulgakov, é a alma da piedade ortodoxa, seu coração, o que aquece e reanima o corpo todo inteiro.”
A Virgem, Mãe de Deus, passa a ser aquela que realiza a “maternidade divina da terra”, aquela que foi chamada para gerar Deus. Berdiaev desenvolveu esta utilização escandalosa de um culto cristão em favor do retorno ao paganismo:
“O antigo paganismo russo, diz ele, se misturou ao cristianismo russo e lhe deu uma fisionomia toda especial. A ortodoxia russa recebe em si um certo dionisianismo cristão que não se encontra na ortodoxia bizantina. E existe algum ponto de contato entre a ortodoxia russa e a extraordinária seita mistico-dionisiana dos flagelantes russos (klisky), seita no seio da qual o cristianismo se misturou de um modo bizarro, terrificante mesmo, a um velho paganismo russo. No culto que professam os russos pela Mãe de Deus, que está sempre com seu Filho divino, se percebe naturalmente o culto da Terra Russa. E a imagem desta Terra Russa, mãe alimentadora, e aquela da Mãe de Deus se confundem, por vezes, no espírito do povo. O cristianismo russo é bem mais uma ‘crença de essência feminina’ que uma ‘religião de sexo masculino’”. (Russkaia religioza idea – A Ideia Religiosa Russa).
A literatura russa, como veremos em Dostoiewski, espalhou essa ideia gnóstica que a Terra é a Mãe por excelencia, a Virgem Santa na Santa Terra da Rússia. Para se reconciliar com Deus é preciso chegar a esta terra, a abraçar, a beixar e banhar de lágrimas, jurar de lhe continuar fiel (fiel a terra!) e por aí reencontrar Deus.
A literatura russa, como veremos em Dostoiewski, espalhou essa ideia gnóstica que a Terra é a Mãe por excelencia, a Virgem Santa na Santa Terra da Rússia. Para se reconciliar com Deus é preciso chegar a esta terra, a abraçar, a beixar e banhar de lágrimas, jurar de lhe continuar fiel (fiel a terra!) e por aí reencontrar Deus.
É verdadeiramente uma utilização fraudulenta do mito pagão de Antéia que renova suas forças no contato com a terra, mas é um ritual perfeitamente gnóstico, já em uso nas seitas no princípio do primeiro século cristão.
Enfim, a Gnose! Nossos pensadores russos desenvolveram sua concepção do conhecimento que não tem nada de original.
Para Khomikov, o conhecimento é muito semelhante a Fé. Ela exige um abandono de todo o ser à verdade que a razão só pode alcançar. Ela é intuição viva. O verdadeiro conhecimento se faz por uma apreensão interior. Todas as definições lógicas não dão a certeza que se encontra no ato de fé. O fato concreto não pode ser conhecido pelo pensamento senão por uma abstração, enquanto que a verdade se “incarna” na vida. É somente na fé que a razão encontra sua plenitude – sem a fé, a vida do homem não tem sentido – todo homem é sua fé – só a fé conhece a verdade.
Todas essas fórmulas e outras inumeráveis de mesma ordem, nos levam ao fideísmo dos modernistas e dos tradicionalistas do último século. A ordem natural é reduzida a ordem sobrenatural. Se nega a capacidade que tem nossa razão de atingir o verdadeiro. “Todo homem é sua fé”, se diz; mas o objeto desta fé é Deus, logo, todo homem é divino, pois que ele encontra em uma intuição, uma visão interior, a verdade divina; é porque ele já o possui em si mesmo. “Intueor”, quer dizer, ver ao interior. Esta visão supõe a presença de um objeto conhecido em si. Este conhecimento intuitivo é pois uma gnose, ou seja, uma identificação de nosso pensamento com seu objeto, que é Deus.
A GNOSE DE WLADIMIR SOLOVIEV
(1853 - 1900)
Se apresentou Wladimir Solovieve como um “Newman russo” e como um grande filósofo cristão. Mons. D’Herbigny tinha, apesar de tudo, sustentado esta tese em uma obra que apresentava nosso pensador aos leitores franceses, mas tivera o cuidado de escamotear sob uma linguagem piedosa o essêncial do pensamento do filósofo.
Digamos imediatamente, para não voltar atrás, que contrariamente a Newman que, por sua conversão, tinha levado toda uma elite intelectual da Inglaterra, Soloviev, por sua aproximação secreta a Roma, não produziu nenhum movimento semelhante a ortodoxia russa e não merece nenhum título de “Newman russo”.
Mas o que é bem mais importante de compreender é que Wladimir usurpou o título de filósofo cristão. O fundo de seu pensamento é a gnose de sempre, que ele teve a habilidade de apresentar sob um vocabulário aparentemente cristão.
Toda sua formação foi envenenada pelos sofismas alemães injetados em alta dose em seu espírito. Leu com sede impresionante Platão e Orígenes em sua língua original, Sêneca e Santo Agostinho, Bacon e Stuart-Mill, Descartes e de Bonald, Kant e Schopenhauer, Hegel e Schelling...
Durante uma permanência em Londres se lançou com uma paixão inquieta e malsã sobre o espiritismo e a cabala. Em uma carta a seu amigo, o príncipe D. N. Tserteler ele explica que “essa nova luz, brotada das manifestações espíritas, ajudaram a constituir a metafisica atual; mas, acrescenta, não tenho a intenção de o dizer muito alto. Uma opinião pública não levaria a nenhum resultado e me traria uma má reputação.”
Lera Spinoza aos quinze anos, com paixão. Encontrava, diz, a revelação do espiritual e do divino... Participou da redação do Grande Dicionário Enciclopédico Brukhaus-Ephrone onde ele redigiu pessoalmente em russo os artigos sobre Platão, Plotino, Valentino e os Valentianos, Maniqueus, Cabala, Duns Scotto, Nicolau de Cusa, Kant, Hegel, Hegelianismo, Swedenborg, Maine de Biran, Joseph de Maistre, etc, etc...não há nada de russo nisto, mas que bela filiação gnóstica!
Wladimir Solovieve se quer e se afirma gnóstico. Não estamos fazendo um julgamento temerário. É suficiente expor seu ensinamento para se convencer disto. Ele apresentou em uma série de obras do qual o mais explicito se intitula: “A Rússia e a Igreja Universal”.
Na origem, existe Deus, Unidade, Ato absoluto e seu complemento necessário, a eterna feminilidade, a “Sofia” que acolheu nela a potência divina, a plenitude do bem e da verdade e a luz eterna da Beleza. Ela se abandonou em Deus (como isso é alegremente dito) e foi fecundada por Ele. Ela realizou a possibilidade do Tudo, a síntese viva e pessoal de Deus e do mundo, “corpo e matéria da divindade”.
“Se ela está em Deus substancialmente e desde toda a eternidade, escreve Soloviev, ela se realiza efetivamente no mundo, se incarna sucessivamente os levando a uma unidade cada vez mais perfeita... A feminilidade não é somente uma imagem inativa no espírito de Deus, mas um ser espiritual vivo e possuindo a plenitude da Força e da Ação. Todo o processo universal e histórico não outra coisa senão o processo de sua realização e de sua incarnação na garnde multiplicidade de formas.”
Este texto foi citado, junto com outros, por J. Danzas em seu estudo sobre “As reminiscencias gnósticas na filosofia religiosa russa moderna.
Soloviev identificou a “Sofia” a Virgem Maria declarada “completamente feminina” de Jesus e da Igreja. Ele precisa “que a humanidade reunida a Deus na Virgem Maria, em Cristo e na Igreja é a realização da Sabedoria essencial ou da substancia absoluta de Deus, sua forma increada, sua incarnação”. (Sempre em “A Rússia e a Igreja Universal”).
O mundo é, pois, a incarnação de Deus pela Sofia, a substância mesma de Deus. O homem é a atualização de Deus no Cosmos. Deus se fez carne no homem e o Cosmos pelo homem se fez Deus. “O homem não pode receber a divindade senão na verdadeira integridade, senão em sua união interior com o Tudo...”
Soloviev continua: “Cada um de nós, cada ser humano participa essencialmente e realmente do Homem universal ou absoluto e é enraizado nele”. O homem tem pois uma essência identica àquela do Cosmos e de Deus. Emana Dele como um reflexo de seu ser primordial e absoluto. É o fundamento mesmo da metafísica platoniana.
“A nova religião, declara Soloviev, não pode ser uma veneração passiva de Deus, uma ......, ou uma simples adoração, uma ....., mas ela deve ser uma atividade em Deus e com Ele, uma ....., uma “Teourgia, pois”. Ele resume seu sistema em na palavra “Teandrismo”, que quer dizer: Humanidade deificada. É um misticismo panteísta e cósmico.
Seria preciso acrescentar ainda que se encontra nele uma “mística do sexo feminino”. Soloviev se inclina com uma devoção toda pagã diante do sexo, do seio que traz a vida. O “Eterno feminino”. Ele proclama a salvação pelo abraço amoroso e a exaltação dos sentidos, em seu “Ensaio sobre a Significação do Amor”.
Tudo isso, evidentemente, não tem nada de cristão. É preciso uma forte dose de ingenuidade para pretender que esta doutrina exprima o fundo da “alma russa” ou da “terra russa”. Se trata de outra coisa! Toda história da Sofia é tirada dos gnósticos dos primeiros séculos, desde Simão, o Mago, que Soloviev estudou com grande cuidado. É uma brincadeira blasfematória a respeito do verdadeiro Deus.
A Igreja oriental chama esse gênero de excitação místico-erótica de uma “sedução espiritual”. Se encontra todo esse pensamento em uma geração formada por Soloviev.
Em 1908, alguns anos depois de sua morte, se formou em Moscou uma “Sociedade de Filosofia religiosa em memória de Wladimir Soloviev”, um verdadeiro centro de filosofia neo-platonica. As reuniões eram realizadas no hotel particular de Madame Marguerite Morosov, mulher de grande encanto pessoal. No decorrer destas reuniões religiosas e orgiásticas, se misturava em um mesmo lugar extases sensuais de um naturalismo todo pagão aos mistérios cristãos. Nestas confusões e discussões se exaltava Dante, Goethe, os românticos franceses, Verlaine, Baudelaire, os românticos alemães, Novalis, os místicos do século XVIII, Paracelso, Jacob Boehme, o antroposofo Rudolph Steiner...
Se acrescentava a esta sociedade uma casa de Edição “O Caminho”, que publicava tudo que poderia espalhar estas ideias místicos-panteístas. Citemos entre os frequentadores destes encontros:
1° - Niclolas Berdiaev, nascido em 1874 em Kiev. Recebeu toda sua formação intelectual de Marx, Nietzche, Ibsen, Kant, Carlile, Boehme, Schelling. Formação especificamente alemã, que não poderia seriamente o preparar para “captar a alma russa”. Ele também ensinou a Gnose sob a aparência cristã:
“A filosofia, disse, é a arte do conhecimento no meio da criação de ideias que se opõe ao mundo aparente e a necessidade que penetra na vida espiritual transcendente do mundo. Este meio de conhecimento é (claro!) a intuição que só atinge o mundo espiritual e não o pensamento discursivo...”
Ele exalta a liberdade como anterior a criação. Liberdade meonica, diz ele, porque pertence ao não-ser: “A liberdade é o destino trágico do homem e do mundo, o destino de Deus mesmo. Ela reside no centro do ser como um “mistério original”. Todas essas elocubrações sobre a deusa Liberdade são tomadas de Boehme e de Schelling em seu “Tratado da Essência da Liberdade Humana”.
2° - Serge Boulgakov, autor do sistema sofiológico tirado da Sófia de Soloviev com uma exaltação da Mãe Terra e toda uma Gnose que se diz ortodoxa.
3° - O padre Paul Florensky, erudito sutil e engenhoso, todo, como os outros, impregnado de influências gnósticas.
Pode-se dizer que às vésperas da Revolução Bolchevique, toda a elite intelectual russa era impregnada de ideologia panteísta, cósmica e pagã. Recebera sua formação intelectual dos filósofos alemães, sobretudo Schelling, Marx e Hegel. Estava, pois, completamente desarmada diante de uma subversão revolucionária. Soloviev foi um prodigioso demolidor da fé cristã e um péssimo mestre.
UMA LITERATURA PANTEÍSTA: DOSTOIEWSKI E TOLSTOI
Em seu célebre livro sobre “O Romance Russo”, Eugène Melchior de Vogue tentou encontrar a fonte profunda e longínqua do nihilismo. Acreditou encontrar no Budismo e nas alegrias do aniquilamento, o “nirvana”, a abdicação desencorajada do homem primitivo diante do poder da matéria e a obscuridade do mundo moral.
“A verdadeira pátria desta renúncia, escreve, é a Ásia, a fonte mãe, é a Índia e sua doutrina. Elas revivem pouco modificadas no frenesi que precipita a Rússia para a abnegação intelectual e moral...e o espírito do Budismo, diz ele mais longe, penetrou o gênio da Rússia de uma ternura perdida pelas mais humildes criaturas, pelos desprezados e sofredores; ela dita a renúncia da razão diante do bruto e a comiseração infinita do coração”.
Sem dúvida, os paralelos por ele traçados ao longo de toda sua obra são por demais chocantes. Entretanto, de Vogue, não nos dá nenhuma filiação direta entre os escritores russos e o budismo da Ásia, mas nos mostra muito bem os numerosos traços que estes escritores “injetaram” na literatura ocidental.
Também nós nos apegaremos a este verdadeiro aspecto das coisas e quando encontrarmos ideias e fórmulas gnósticas em um ou outro, não teremos dificuldade em descobrir as fontes.
Dostoiewski foi primeiramente mordido pela tentação nietzcheriana. Ele fez uma apologia a Satã. Impregnado igualmente de uma mística de origem alemã, apresentou o Cristo como uma emanação divina. Seu cristianismo foi pleno de gnose. Leu e bebeu da obra de Swedenborg. Para ele, como para os gnósticos, o mal constitui uma entidade autonoma e positiva. Ele recusa toda lei e se diz antinomista. Condena toda forma viável de civilização, o que conduz ao anarquismo. Declara que a matéria é má e a carne condenável. Rejeita o uso da sexualidade no casamento. Prega a continência, mas justifica a violação. Ele se pergunta se a distinção entre o bem e o mal poderia ser transcendente em um ser que os interagisse todos dois no mesmo ser da divindade, revestido de poder e de beleza. Ele crê descobrir em Deus um abismo de escuridão.
Que é a divindade que ele intitula “a mais alta sintese da vida”? Qual é este Deus da alegria para o qual faz subir um hino da vida “desde as entranhas da terra”? A resposta está dispersa em seus romances. Eis em “Os Possuídos”, o testemunho da velha mulher que pergunta a Maria Timophéievna:
“A Mãe de Deus, que é em tua opinião?A grande mãe, lhe responde, a esperança do genero humano. Sim, continua a velha mulher, a Mãe de Deus é a Grande Mãe, a Terra humilde e nisto reside uma grande alegria para os homens... Quando eu me prostro, fazendo minha oração, tenho o hábito de beijar a terra. Eu a beijo e choro. É o que eu digo, Chatouchka, não há nada de mal nisto e se se tem algum chateamento, se derrama lágrimas de alegria...”
Maria estava predisposta a receber esta confidência. Ela tinha dito um dia às religiosas do convento: “Deus e a natureza, me parecem ser a mesma coisa!” Todas as assistentes ficaram alarmadas, mas a madre superiora sorrira.
Este equivoco entre Deus a natureza se encontra na atitude de Aliocha em “Irmãos Karamasov”. Nós sabemos porque ele nos diz, que no pensamento de Dostoiewski, Aliocha é pseudonimo de Soloviev. Veja seu culto divino da Mãe Terra:
“Aliocha, imóvel, olhava. De repente, como obrigado, se prostra. Ele ignorava porque se estreitava a terra. Não se compreendia o porquê, mas ele queria irressitivelmente a abraçar imediatamente. A abraçava soluçando, inundando de lágrimas e prometia com exaltação de a amar e amar sempre. ‘Rega a terra com lágrimas de alegria e ame-a!’ Essas palavras ecoavam em sua alma. Sobre o que chorava? Oh! Em seu extase, chorava sob as estrelas que cintilavam no infinito e não tinham vergonha de sua exaltação. E teria dito que os filhos deste mundo inumerável convergiam para sua alma e que nesta agitação, em contato com outros mundos...e nunca mais Aliocha pode esquecer estes momentos. Minha alma foi visitada neste momento, dizia ele mais tarde, crendo firmemente na verdade destas palavras. No coração de Aliocha, todo o universo palpitava”.
Qual é esta divindade pintada sob o aspecto de Vida, Terra, da Nação? Qual é esta força imanente que sobe das profundezas da nossa alma de carne e que nos convida a retornar a algum paraíso perdido, em um estado de infância e de inocencia infra-humana? Nós respondemos, por tudo isso que já expomos, se trata da Serpente...
E nós lembramos que o rito de beijar a terra é tomado dos gnósticos dos primeiros séculos, em particular os Elkasaitas.
Leon Tolstoi é o Rousseau eslavo: “Eu li tudo de Rousseau, escreve ele, e com quinze anos eu trazia sua medalha sobre meu peito. Rousseau e o Evangelho foram minhas duas maiores e melhores influências em minha vida. O número de suas páginas me são tão familiares que eu creria ter as escrito eu mesmo...”
Tolstoi foi igualmente iniciados nas lojas. Em seu romance “Guerra e Paz” nos conta com muita precisão a iniciação maçonica de seu heroi, Pierre Bézouchov.
Acrescentai a isso o culto de Schopenhauer, do qual o retrato ornava seu quarto e compreendereis porque Tolstoi é um budista. A resposta ao sentido da vida, ele a procurou nos Vedas, no Alcorão, nos Padres, em Confúcio, Lao-Tse, Fichte, Feuerbach. Ele expôs seu pensamento religioso em uma série de obras de 1883 a 1886: “Qual é minha fé? Razão e Religião, razão e moralidade” – “Como ler os Evangelhos” – “Qual é minha religião?” – “A Salvação está em Vós.”
A religião, explica ele, é uma relação entre nossa personalidade e o universo infinito. Deus não é exterior ao mundo. Ele se manifesta em cada homem, nos animais, nas plantas, em tudo isso que está ao nosso redor. Ele é o principio da vida universal. Tolstoi queria “expor uma filosofia inteligível a um simples cocheiro”. Mas seu panteísmo de pretensão espiritualista é bem obscuro. A vida é considerada como um todo indivisível, uma alma do mundo do qual não passamos de pequenas parcelas.
“Procuramos nosso ideal diante de nós, ao passo que ele está atrás de nós. O desenvolvimento do homem não é o meio de realizar este ideal de armonia que levamos em nós, é, ao contrário, um obstáculo a esta realização. Uma criança que vem ao mundo satisfaz perfeitamente este ideal de verdade, de beleza e de bondade do qual se afasta cada dia; ele está mais próximo das criaturas não pensantes, do animal, da planta, da natureza que é o modelo eterno de verdade, de beleza e de bondade...”
Para realizar esta harmonia o homem não deve pensar, mas se esforçar por encontrar uma vida vegetativa, como o bebe saído do ventre de sua mãe. Melhor ainda, deve reentrar no útero e se fundir na natureza cósmica e ser por ela absorvido. Pois que esta natureza é a substancia de Deus que se reunirá a seu princípio.
Esta nova apresentação do Evangelho, lida sobre a lente de Buda, estava longe demais do original para não levantar desconfiança. Entretanto, Tolstoi continua super confiante em si mesmo:
“Tudo me confirmava a veracidade do sentido que eu encontrava na doutrina de Cristo. Mas durante longo tempo lutei com a ideia estranha que depois de dezoito séculos durante os quais a fé cristã foi confessada por milhares de homens, depois que milhões de homens consagraram suas vidas ao estudo desta fé, me era dado descobrir a lei de Cristo como uma coisa nova. Mas por mais estranha que fosse, era assim”.
Todo o socialismo de Tolstoi é tirado deste princípio panteísta: sem tribunais, sem exército, sem prissões, sem guerras, sem julgamentos.
Nós já ouvimos proclamar um tal sonho pelos Cátaros da Idade Média. Eles praticavam a não resitencia ao mal, ao menos na teoria. Eles colocavam tudo em comum, não comiam carne de animais, condenavam as relações sexuais, se opunham as artes e ao comércio. Se tivessem conseguido, teriam feito da Europa um deserto tibetano.
Em uma tese o M. Siu-Tchoan-Pao sobre “O direito das pessoas e a China antiga”, diz que o ensinamento de Lao-Tse é próximo daquele de Tolstoi, o mesmo subjetivismo idealista, mesma moral do não agir e o desaparecimento de toda autoridade...
Em 20 de fevereiro de 1901, o Santo Sinodo de Moscou proclama a excomunhão de Tolstoi. O chefe do Santo Sinodo, Pobiédonastzev, denunciava o capítulo de “Ressurreição” onde Tolstoi tratava da Missa e da Eucaristia. Eis o texto desta excomunhão:
“O celebre escritor mundialmente conhecido, o conde Tolstoi, ainda que russo de nascimento e ortodoxo de educação e pelo batismo, se deixou arrastar pelo orgulho de seu espírito, a se insurgir audaciosamente contra Deus, contra o Cristo e sua santa Obra. Depois de ter renegado publicamente a Igreja ortodoxa, mãe que lhe tinha nutrido e instruido, consagra sua atividade literaria e o talento que Deus lhe deu para a destruição da fé de nossos pais pela propaganda, no país, de doutrinas hostis ao Cristo e sua Igreja. Esta fé ortodoxa tinha, portanto, convertido o mundo e nossos antepassados a confessaram e tiveram sua salvação. Por ela, desde sempre, a Santa-Rússia se manteve forte.”
“Portanto, é esta fé que Tolstoi ataca em sua substância mesmo. Em suas numerosas cartas e composições literárias, que ele e seus discípulos espalham por todo país e particularmente em nossa cara pátria, prega com um zelo fanático a destruição dos dogmas mais sagrados. Ele nega a personalidade de Deus vivo, glorificado em sua Santa Trindade; rejeita a criação e a Providência divina se exercendo sobre o universo...etc... etc... É porque a Igreja declara solenemente que ela não o contará mais entre seus filhos, enquanto não restabelecer sua união com ela por um sincero arrependimento.”
Estas linhas expressam a mais pura indignação da alma cristã em seus sentimentos mais elevados.
Entretanto, é preciso crer que o estado dos espíritos era já consideradamente apoderecido na Igreja ortodoxa. O dia seguinte desta excomunhão, os seminaristas de Kazan e de Irkoutsk se olharam com olhar grave. Padres deixaram a Igreja. Os estudantes de São Petsbourgo enviaram ao metropolita Podiédonotzve um protesto indignado declarando que eles também poderiam então ser excomungados. Uma prefeitura do Cáucasso, considerando Tolstoi como um mártir, lhe envia uma coroa de espinhos...
Os revolucionários russos, anarquistas e fanáticos de irreligião, se riam do anarquismo cristão pretendido pelo Conde Tolstoi. Mas viam nele um auxiliar precioso: “O velho caduca, diziam eles, mas nos é útil. Ele destroi a sociedade”.
Os textos de Tolstoi, graças a seu prestígio, produziam um grande efeito sobre as almas simples e semeava abundantemente o grão da revolta. Nos primeiros meses do Governo Provissorio de 1917, os escritos de Tolstoi foram distribuidos em profusão. A ditadura bolchevique consagrou milhões para difundir sua obra e Maximo Gorki fora encarregado de promover seu pensamento. Tolstoi fora feito profeta da Revolução. Este apostolo da paz e do amor passara a ser o auxiliar dos carrascos que massacravam e faziam jorrar o sangue do povo russo. Conclusão lógica de uma vida toda consagrada a falsificação do Evangelho pela gnose panteísta.
DA GNOSE A REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE
“Me parece evidente, escrevia Donoso Cortes, que o comunismo procede das heresias panteístas e daquelas que lhes são aparentadas. Quando tudo é Deus e Deus é tudo, Deus é sobretudo democracia e multidão. Os indivíduos, átomos divinos e nada mais, saem do tudo que lhes gerou perpetuamente para reentrar no tudo que perpetuamente lhes absorve.”
Eis a chave do comunismo. É o último avatar e o ponto de chegada de todo o pensamento gnóstico. É sua mais perfeita realização. A Serpente é a grande revoltada. Quando arrastou todo um país após si em uma grande revolução, este passa a ser, necessariamente, um inferno.
Na época em que Lenin preparava sua revolução, outros pensadores se esforçavam de dar a doutrina marxista um cunho filosofico-religioso. Gorki e Lounatcharski ensinam uma religião sem Deus: “Deus, dizia Lounatcharski, é tudo isto que há de humano no seu máximo poder...adoremos as energias da Humanidade”. Ao homem que procura Deus ele responde: “Deus é a humanidade de amanhã. Construamos-la com a humanidade de hoje nos unindo com os elementos da vanguarda”. Eles se intitulavam “Os contrutores de Deus”.
Os chefes revolucionários viviam no pensamento que em suas mortes, retornariam para o Grande Tudo. Morrendo e vendo as lágrimas de sua esposa, Plékhanov a repreendeu: “Vós e eu, somos velhos revolucionários, devemos ser firmes. E o que é a morte? Vede. pela janela, esse ramo que nasce ternamente na árvore. Eu também, talvez, serei um dia transformado em ramo igual a esse. Que há de mal nisto?” A morte é, pois, um retorno a Mãe Alimentadora, no magma primitivo de onde surgem sem cessar novos seres vivos dos quais nós não somos senão manifestações provisórias.
Alain Besançon publicou um estudo fabuloso sobre “As Origens Intelectuais do Leninismo”. Quando quis pesquisar no passado as analogias capazes de explicar a nova ideologia marxista, caiu sobre a Gnose.
Infelizmente, ele começa por declarar justamente o contrário de toda a exposição seguinte, que a ideologia moderna (marxismo) não se inscreve na tradição gnóstica. Não é mesmo certo, acrescenta, que isto exista; antes, que a repetição de atitudes intelectuais de mesmo tipo, em circustancias históricas diferentes, sem que tenha tido memória ou consciencia de uma continuidade...”
É uma pena que M. Besançon tenha colocado em dúvida a existência de uma tradição gnóstica através dos séculos. Todos nossos estudos precedentes estabeleceram com provas suficientes e decisivas da existencia desta tradição. Entretanto, Alain Besançon estudou com cuidado a Gnose antiga em sua forma maniquéia e envia a este assunto a obras remarcáveis de Henri Carles Puech.
A GNOSE DE WLADIMIR SOLOVIEV
(1853 - 1900)
Se apresentou Wladimir Solovieve como um “Newman russo” e como um grande filósofo cristão. Mons. D’Herbigny tinha, apesar de tudo, sustentado esta tese em uma obra que apresentava nosso pensador aos leitores franceses, mas tivera o cuidado de escamotear sob uma linguagem piedosa o essêncial do pensamento do filósofo.
Digamos imediatamente, para não voltar atrás, que contrariamente a Newman que, por sua conversão, tinha levado toda uma elite intelectual da Inglaterra, Soloviev, por sua aproximação secreta a Roma, não produziu nenhum movimento semelhante a ortodoxia russa e não merece nenhum título de “Newman russo”.
Mas o que é bem mais importante de compreender é que Wladimir usurpou o título de filósofo cristão. O fundo de seu pensamento é a gnose de sempre, que ele teve a habilidade de apresentar sob um vocabulário aparentemente cristão.
Toda sua formação foi envenenada pelos sofismas alemães injetados em alta dose em seu espírito. Leu com sede impresionante Platão e Orígenes em sua língua original, Sêneca e Santo Agostinho, Bacon e Stuart-Mill, Descartes e de Bonald, Kant e Schopenhauer, Hegel e Schelling...
Durante uma permanência em Londres se lançou com uma paixão inquieta e malsã sobre o espiritismo e a cabala. Em uma carta a seu amigo, o príncipe D. N. Tserteler ele explica que “essa nova luz, brotada das manifestações espíritas, ajudaram a constituir a metafisica atual; mas, acrescenta, não tenho a intenção de o dizer muito alto. Uma opinião pública não levaria a nenhum resultado e me traria uma má reputação.”
Lera Spinoza aos quinze anos, com paixão. Encontrava, diz, a revelação do espiritual e do divino... Participou da redação do Grande Dicionário Enciclopédico Brukhaus-Ephrone onde ele redigiu pessoalmente em russo os artigos sobre Platão, Plotino, Valentino e os Valentianos, Maniqueus, Cabala, Duns Scotto, Nicolau de Cusa, Kant, Hegel, Hegelianismo, Swedenborg, Maine de Biran, Joseph de Maistre, etc, etc...não há nada de russo nisto, mas que bela filiação gnóstica!
Wladimir Solovieve se quer e se afirma gnóstico. Não estamos fazendo um julgamento temerário. É suficiente expor seu ensinamento para se convencer disto. Ele apresentou em uma série de obras do qual o mais explicito se intitula: “A Rússia e a Igreja Universal”.
Na origem, existe Deus, Unidade, Ato absoluto e seu complemento necessário, a eterna feminilidade, a “Sofia” que acolheu nela a potência divina, a plenitude do bem e da verdade e a luz eterna da Beleza. Ela se abandonou em Deus (como isso é alegremente dito) e foi fecundada por Ele. Ela realizou a possibilidade do Tudo, a síntese viva e pessoal de Deus e do mundo, “corpo e matéria da divindade”.
“Se ela está em Deus substancialmente e desde toda a eternidade, escreve Soloviev, ela se realiza efetivamente no mundo, se incarna sucessivamente os levando a uma unidade cada vez mais perfeita... A feminilidade não é somente uma imagem inativa no espírito de Deus, mas um ser espiritual vivo e possuindo a plenitude da Força e da Ação. Todo o processo universal e histórico não outra coisa senão o processo de sua realização e de sua incarnação na garnde multiplicidade de formas.”
Este texto foi citado, junto com outros, por J. Danzas em seu estudo sobre “As reminiscencias gnósticas na filosofia religiosa russa moderna.
Soloviev identificou a “Sofia” a Virgem Maria declarada “completamente feminina” de Jesus e da Igreja. Ele precisa “que a humanidade reunida a Deus na Virgem Maria, em Cristo e na Igreja é a realização da Sabedoria essencial ou da substancia absoluta de Deus, sua forma increada, sua incarnação”. (Sempre em “A Rússia e a Igreja Universal”).
O mundo é, pois, a incarnação de Deus pela Sofia, a substância mesma de Deus. O homem é a atualização de Deus no Cosmos. Deus se fez carne no homem e o Cosmos pelo homem se fez Deus. “O homem não pode receber a divindade senão na verdadeira integridade, senão em sua união interior com o Tudo...”
Soloviev continua: “Cada um de nós, cada ser humano participa essencialmente e realmente do Homem universal ou absoluto e é enraizado nele”. O homem tem pois uma essência identica àquela do Cosmos e de Deus. Emana Dele como um reflexo de seu ser primordial e absoluto. É o fundamento mesmo da metafísica platoniana.
“A nova religião, declara Soloviev, não pode ser uma veneração passiva de Deus, uma ......, ou uma simples adoração, uma ....., mas ela deve ser uma atividade em Deus e com Ele, uma ....., uma “Teourgia, pois”. Ele resume seu sistema em na palavra “Teandrismo”, que quer dizer: Humanidade deificada. É um misticismo panteísta e cósmico.
Seria preciso acrescentar ainda que se encontra nele uma “mística do sexo feminino”. Soloviev se inclina com uma devoção toda pagã diante do sexo, do seio que traz a vida. O “Eterno feminino”. Ele proclama a salvação pelo abraço amoroso e a exaltação dos sentidos, em seu “Ensaio sobre a Significação do Amor”.
Tudo isso, evidentemente, não tem nada de cristão. É preciso uma forte dose de ingenuidade para pretender que esta doutrina exprima o fundo da “alma russa” ou da “terra russa”. Se trata de outra coisa! Toda história da Sofia é tirada dos gnósticos dos primeiros séculos, desde Simão, o Mago, que Soloviev estudou com grande cuidado. É uma brincadeira blasfematória a respeito do verdadeiro Deus.
A Igreja oriental chama esse gênero de excitação místico-erótica de uma “sedução espiritual”. Se encontra todo esse pensamento em uma geração formada por Soloviev.
Em 1908, alguns anos depois de sua morte, se formou em Moscou uma “Sociedade de Filosofia religiosa em memória de Wladimir Soloviev”, um verdadeiro centro de filosofia neo-platonica. As reuniões eram realizadas no hotel particular de Madame Marguerite Morosov, mulher de grande encanto pessoal. No decorrer destas reuniões religiosas e orgiásticas, se misturava em um mesmo lugar extases sensuais de um naturalismo todo pagão aos mistérios cristãos. Nestas confusões e discussões se exaltava Dante, Goethe, os românticos franceses, Verlaine, Baudelaire, os românticos alemães, Novalis, os místicos do século XVIII, Paracelso, Jacob Boehme, o antroposofo Rudolph Steiner...
Se acrescentava a esta sociedade uma casa de Edição “O Caminho”, que publicava tudo que poderia espalhar estas ideias místicos-panteístas. Citemos entre os frequentadores destes encontros:
1° - Niclolas Berdiaev, nascido em 1874 em Kiev. Recebeu toda sua formação intelectual de Marx, Nietzche, Ibsen, Kant, Carlile, Boehme, Schelling. Formação especificamente alemã, que não poderia seriamente o preparar para “captar a alma russa”. Ele também ensinou a Gnose sob a aparência cristã:
“A filosofia, disse, é a arte do conhecimento no meio da criação de ideias que se opõe ao mundo aparente e a necessidade que penetra na vida espiritual transcendente do mundo. Este meio de conhecimento é (claro!) a intuição que só atinge o mundo espiritual e não o pensamento discursivo...”
Ele exalta a liberdade como anterior a criação. Liberdade meonica, diz ele, porque pertence ao não-ser: “A liberdade é o destino trágico do homem e do mundo, o destino de Deus mesmo. Ela reside no centro do ser como um “mistério original”. Todas essas elocubrações sobre a deusa Liberdade são tomadas de Boehme e de Schelling em seu “Tratado da Essência da Liberdade Humana”.
2° - Serge Boulgakov, autor do sistema sofiológico tirado da Sófia de Soloviev com uma exaltação da Mãe Terra e toda uma Gnose que se diz ortodoxa.
3° - O padre Paul Florensky, erudito sutil e engenhoso, todo, como os outros, impregnado de influências gnósticas.
Pode-se dizer que às vésperas da Revolução Bolchevique, toda a elite intelectual russa era impregnada de ideologia panteísta, cósmica e pagã. Recebera sua formação intelectual dos filósofos alemães, sobretudo Schelling, Marx e Hegel. Estava, pois, completamente desarmada diante de uma subversão revolucionária. Soloviev foi um prodigioso demolidor da fé cristã e um péssimo mestre.
UMA LITERATURA PANTEÍSTA: DOSTOIEWSKI E TOLSTOI
Em seu célebre livro sobre “O Romance Russo”, Eugène Melchior de Vogue tentou encontrar a fonte profunda e longínqua do nihilismo. Acreditou encontrar no Budismo e nas alegrias do aniquilamento, o “nirvana”, a abdicação desencorajada do homem primitivo diante do poder da matéria e a obscuridade do mundo moral.
“A verdadeira pátria desta renúncia, escreve, é a Ásia, a fonte mãe, é a Índia e sua doutrina. Elas revivem pouco modificadas no frenesi que precipita a Rússia para a abnegação intelectual e moral...e o espírito do Budismo, diz ele mais longe, penetrou o gênio da Rússia de uma ternura perdida pelas mais humildes criaturas, pelos desprezados e sofredores; ela dita a renúncia da razão diante do bruto e a comiseração infinita do coração”.
Sem dúvida, os paralelos por ele traçados ao longo de toda sua obra são por demais chocantes. Entretanto, de Vogue, não nos dá nenhuma filiação direta entre os escritores russos e o budismo da Ásia, mas nos mostra muito bem os numerosos traços que estes escritores “injetaram” na literatura ocidental.
Também nós nos apegaremos a este verdadeiro aspecto das coisas e quando encontrarmos ideias e fórmulas gnósticas em um ou outro, não teremos dificuldade em descobrir as fontes.
Dostoiewski foi primeiramente mordido pela tentação nietzcheriana. Ele fez uma apologia a Satã. Impregnado igualmente de uma mística de origem alemã, apresentou o Cristo como uma emanação divina. Seu cristianismo foi pleno de gnose. Leu e bebeu da obra de Swedenborg. Para ele, como para os gnósticos, o mal constitui uma entidade autonoma e positiva. Ele recusa toda lei e se diz antinomista. Condena toda forma viável de civilização, o que conduz ao anarquismo. Declara que a matéria é má e a carne condenável. Rejeita o uso da sexualidade no casamento. Prega a continência, mas justifica a violação. Ele se pergunta se a distinção entre o bem e o mal poderia ser transcendente em um ser que os interagisse todos dois no mesmo ser da divindade, revestido de poder e de beleza. Ele crê descobrir em Deus um abismo de escuridão.
Que é a divindade que ele intitula “a mais alta sintese da vida”? Qual é este Deus da alegria para o qual faz subir um hino da vida “desde as entranhas da terra”? A resposta está dispersa em seus romances. Eis em “Os Possuídos”, o testemunho da velha mulher que pergunta a Maria Timophéievna:
“A Mãe de Deus, que é em tua opinião?A grande mãe, lhe responde, a esperança do genero humano. Sim, continua a velha mulher, a Mãe de Deus é a Grande Mãe, a Terra humilde e nisto reside uma grande alegria para os homens... Quando eu me prostro, fazendo minha oração, tenho o hábito de beijar a terra. Eu a beijo e choro. É o que eu digo, Chatouchka, não há nada de mal nisto e se se tem algum chateamento, se derrama lágrimas de alegria...”
Maria estava predisposta a receber esta confidência. Ela tinha dito um dia às religiosas do convento: “Deus e a natureza, me parecem ser a mesma coisa!” Todas as assistentes ficaram alarmadas, mas a madre superiora sorrira.
Este equivoco entre Deus a natureza se encontra na atitude de Aliocha em “Irmãos Karamasov”. Nós sabemos porque ele nos diz, que no pensamento de Dostoiewski, Aliocha é pseudonimo de Soloviev. Veja seu culto divino da Mãe Terra:
“Aliocha, imóvel, olhava. De repente, como obrigado, se prostra. Ele ignorava porque se estreitava a terra. Não se compreendia o porquê, mas ele queria irressitivelmente a abraçar imediatamente. A abraçava soluçando, inundando de lágrimas e prometia com exaltação de a amar e amar sempre. ‘Rega a terra com lágrimas de alegria e ame-a!’ Essas palavras ecoavam em sua alma. Sobre o que chorava? Oh! Em seu extase, chorava sob as estrelas que cintilavam no infinito e não tinham vergonha de sua exaltação. E teria dito que os filhos deste mundo inumerável convergiam para sua alma e que nesta agitação, em contato com outros mundos...e nunca mais Aliocha pode esquecer estes momentos. Minha alma foi visitada neste momento, dizia ele mais tarde, crendo firmemente na verdade destas palavras. No coração de Aliocha, todo o universo palpitava”.
Qual é esta divindade pintada sob o aspecto de Vida, Terra, da Nação? Qual é esta força imanente que sobe das profundezas da nossa alma de carne e que nos convida a retornar a algum paraíso perdido, em um estado de infância e de inocencia infra-humana? Nós respondemos, por tudo isso que já expomos, se trata da Serpente...
E nós lembramos que o rito de beijar a terra é tomado dos gnósticos dos primeiros séculos, em particular os Elkasaitas.
Leon Tolstoi é o Rousseau eslavo: “Eu li tudo de Rousseau, escreve ele, e com quinze anos eu trazia sua medalha sobre meu peito. Rousseau e o Evangelho foram minhas duas maiores e melhores influências em minha vida. O número de suas páginas me são tão familiares que eu creria ter as escrito eu mesmo...”
Tolstoi foi igualmente iniciados nas lojas. Em seu romance “Guerra e Paz” nos conta com muita precisão a iniciação maçonica de seu heroi, Pierre Bézouchov.
Acrescentai a isso o culto de Schopenhauer, do qual o retrato ornava seu quarto e compreendereis porque Tolstoi é um budista. A resposta ao sentido da vida, ele a procurou nos Vedas, no Alcorão, nos Padres, em Confúcio, Lao-Tse, Fichte, Feuerbach. Ele expôs seu pensamento religioso em uma série de obras de 1883 a 1886: “Qual é minha fé? Razão e Religião, razão e moralidade” – “Como ler os Evangelhos” – “Qual é minha religião?” – “A Salvação está em Vós.”
A religião, explica ele, é uma relação entre nossa personalidade e o universo infinito. Deus não é exterior ao mundo. Ele se manifesta em cada homem, nos animais, nas plantas, em tudo isso que está ao nosso redor. Ele é o principio da vida universal. Tolstoi queria “expor uma filosofia inteligível a um simples cocheiro”. Mas seu panteísmo de pretensão espiritualista é bem obscuro. A vida é considerada como um todo indivisível, uma alma do mundo do qual não passamos de pequenas parcelas.
“Procuramos nosso ideal diante de nós, ao passo que ele está atrás de nós. O desenvolvimento do homem não é o meio de realizar este ideal de armonia que levamos em nós, é, ao contrário, um obstáculo a esta realização. Uma criança que vem ao mundo satisfaz perfeitamente este ideal de verdade, de beleza e de bondade do qual se afasta cada dia; ele está mais próximo das criaturas não pensantes, do animal, da planta, da natureza que é o modelo eterno de verdade, de beleza e de bondade...”
Para realizar esta harmonia o homem não deve pensar, mas se esforçar por encontrar uma vida vegetativa, como o bebe saído do ventre de sua mãe. Melhor ainda, deve reentrar no útero e se fundir na natureza cósmica e ser por ela absorvido. Pois que esta natureza é a substancia de Deus que se reunirá a seu princípio.
Esta nova apresentação do Evangelho, lida sobre a lente de Buda, estava longe demais do original para não levantar desconfiança. Entretanto, Tolstoi continua super confiante em si mesmo:
“Tudo me confirmava a veracidade do sentido que eu encontrava na doutrina de Cristo. Mas durante longo tempo lutei com a ideia estranha que depois de dezoito séculos durante os quais a fé cristã foi confessada por milhares de homens, depois que milhões de homens consagraram suas vidas ao estudo desta fé, me era dado descobrir a lei de Cristo como uma coisa nova. Mas por mais estranha que fosse, era assim”.
Todo o socialismo de Tolstoi é tirado deste princípio panteísta: sem tribunais, sem exército, sem prissões, sem guerras, sem julgamentos.
Nós já ouvimos proclamar um tal sonho pelos Cátaros da Idade Média. Eles praticavam a não resitencia ao mal, ao menos na teoria. Eles colocavam tudo em comum, não comiam carne de animais, condenavam as relações sexuais, se opunham as artes e ao comércio. Se tivessem conseguido, teriam feito da Europa um deserto tibetano.
Em uma tese o M. Siu-Tchoan-Pao sobre “O direito das pessoas e a China antiga”, diz que o ensinamento de Lao-Tse é próximo daquele de Tolstoi, o mesmo subjetivismo idealista, mesma moral do não agir e o desaparecimento de toda autoridade...
Em 20 de fevereiro de 1901, o Santo Sinodo de Moscou proclama a excomunhão de Tolstoi. O chefe do Santo Sinodo, Pobiédonastzev, denunciava o capítulo de “Ressurreição” onde Tolstoi tratava da Missa e da Eucaristia. Eis o texto desta excomunhão:
“O celebre escritor mundialmente conhecido, o conde Tolstoi, ainda que russo de nascimento e ortodoxo de educação e pelo batismo, se deixou arrastar pelo orgulho de seu espírito, a se insurgir audaciosamente contra Deus, contra o Cristo e sua santa Obra. Depois de ter renegado publicamente a Igreja ortodoxa, mãe que lhe tinha nutrido e instruido, consagra sua atividade literaria e o talento que Deus lhe deu para a destruição da fé de nossos pais pela propaganda, no país, de doutrinas hostis ao Cristo e sua Igreja. Esta fé ortodoxa tinha, portanto, convertido o mundo e nossos antepassados a confessaram e tiveram sua salvação. Por ela, desde sempre, a Santa-Rússia se manteve forte.”
“Portanto, é esta fé que Tolstoi ataca em sua substância mesmo. Em suas numerosas cartas e composições literárias, que ele e seus discípulos espalham por todo país e particularmente em nossa cara pátria, prega com um zelo fanático a destruição dos dogmas mais sagrados. Ele nega a personalidade de Deus vivo, glorificado em sua Santa Trindade; rejeita a criação e a Providência divina se exercendo sobre o universo...etc... etc... É porque a Igreja declara solenemente que ela não o contará mais entre seus filhos, enquanto não restabelecer sua união com ela por um sincero arrependimento.”
Estas linhas expressam a mais pura indignação da alma cristã em seus sentimentos mais elevados.
Entretanto, é preciso crer que o estado dos espíritos era já consideradamente apoderecido na Igreja ortodoxa. O dia seguinte desta excomunhão, os seminaristas de Kazan e de Irkoutsk se olharam com olhar grave. Padres deixaram a Igreja. Os estudantes de São Petsbourgo enviaram ao metropolita Podiédonotzve um protesto indignado declarando que eles também poderiam então ser excomungados. Uma prefeitura do Cáucasso, considerando Tolstoi como um mártir, lhe envia uma coroa de espinhos...
Os revolucionários russos, anarquistas e fanáticos de irreligião, se riam do anarquismo cristão pretendido pelo Conde Tolstoi. Mas viam nele um auxiliar precioso: “O velho caduca, diziam eles, mas nos é útil. Ele destroi a sociedade”.
Os textos de Tolstoi, graças a seu prestígio, produziam um grande efeito sobre as almas simples e semeava abundantemente o grão da revolta. Nos primeiros meses do Governo Provissorio de 1917, os escritos de Tolstoi foram distribuidos em profusão. A ditadura bolchevique consagrou milhões para difundir sua obra e Maximo Gorki fora encarregado de promover seu pensamento. Tolstoi fora feito profeta da Revolução. Este apostolo da paz e do amor passara a ser o auxiliar dos carrascos que massacravam e faziam jorrar o sangue do povo russo. Conclusão lógica de uma vida toda consagrada a falsificação do Evangelho pela gnose panteísta.
DA GNOSE A REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE
“Me parece evidente, escrevia Donoso Cortes, que o comunismo procede das heresias panteístas e daquelas que lhes são aparentadas. Quando tudo é Deus e Deus é tudo, Deus é sobretudo democracia e multidão. Os indivíduos, átomos divinos e nada mais, saem do tudo que lhes gerou perpetuamente para reentrar no tudo que perpetuamente lhes absorve.”
Eis a chave do comunismo. É o último avatar e o ponto de chegada de todo o pensamento gnóstico. É sua mais perfeita realização. A Serpente é a grande revoltada. Quando arrastou todo um país após si em uma grande revolução, este passa a ser, necessariamente, um inferno.
Na época em que Lenin preparava sua revolução, outros pensadores se esforçavam de dar a doutrina marxista um cunho filosofico-religioso. Gorki e Lounatcharski ensinam uma religião sem Deus: “Deus, dizia Lounatcharski, é tudo isto que há de humano no seu máximo poder...adoremos as energias da Humanidade”. Ao homem que procura Deus ele responde: “Deus é a humanidade de amanhã. Construamos-la com a humanidade de hoje nos unindo com os elementos da vanguarda”. Eles se intitulavam “Os contrutores de Deus”.
Os chefes revolucionários viviam no pensamento que em suas mortes, retornariam para o Grande Tudo. Morrendo e vendo as lágrimas de sua esposa, Plékhanov a repreendeu: “Vós e eu, somos velhos revolucionários, devemos ser firmes. E o que é a morte? Vede. pela janela, esse ramo que nasce ternamente na árvore. Eu também, talvez, serei um dia transformado em ramo igual a esse. Que há de mal nisto?” A morte é, pois, um retorno a Mãe Alimentadora, no magma primitivo de onde surgem sem cessar novos seres vivos dos quais nós não somos senão manifestações provisórias.
Alain Besançon publicou um estudo fabuloso sobre “As Origens Intelectuais do Leninismo”. Quando quis pesquisar no passado as analogias capazes de explicar a nova ideologia marxista, caiu sobre a Gnose.
Infelizmente, ele começa por declarar justamente o contrário de toda a exposição seguinte, que a ideologia moderna (marxismo) não se inscreve na tradição gnóstica. Não é mesmo certo, acrescenta, que isto exista; antes, que a repetição de atitudes intelectuais de mesmo tipo, em circustancias históricas diferentes, sem que tenha tido memória ou consciencia de uma continuidade...”
É uma pena que M. Besançon tenha colocado em dúvida a existência de uma tradição gnóstica através dos séculos. Todos nossos estudos precedentes estabeleceram com provas suficientes e decisivas da existencia desta tradição. Entretanto, Alain Besançon estudou com cuidado a Gnose antiga em sua forma maniquéia e envia a este assunto a obras remarcáveis de Henri Carles Puech.
Apresentando um romance de Tchernychevski intitulado: “Que fazer?” mostrou que seu heroi, Rakhmatov é o modelo do perfeito revolucionário. Ele intitula esse romance de o “catecismo do revolucionário” e ele não pode deixar ver que a doutrina deste é o contrário do cristianismo, mais, um maniqueísmo em sua estrutura fundamental.
Vamos reproduzir uma página essencial deste livro. Introduziremos algumas observações entre parenteses no decorrer do caminho e faremos seguir um comentário destinado a precisar e a completar o pensamento do autor onde ele for provisoriamente deficiente.
“A gnose tchernychevskiana manifesta sua estrutura típica. O mundo se apresenta como uma mistura de elementos bons e maus, onde o mal aprisionou o bom (a alma prisioneira do corpo e da matéria). A salvação é trazida pelo saber (a Gnose). Este saber é de natureza racional (certamente não!); é completo, potente, absolutamente certo. Ele dá o verdadeiro plano do mundo, a chave de seu destino. Mostra que o mundo é salvável, que é suficiente de dispor de outro modo (mudar a estrutura do mundo e da natureza), de separar os bons elementos – que representam o futuro, o progresso, a vida – dos maus que pertencem ao passado, a reação, a morte. Como em Mani, há dois princípios (do bem e do mal) e três tempos (o passado para destruir, o presente para agir e o futuro para construir).”
“Os agentes desta separação são os homens novos (Os ‘perfeitos’ cátaros). Dispertados pelo saber (a Gnose), eles tiveram acesso a uma vida nova (a deificação).”
“Rakhmatov é o tipo moderno – científico – do perfeito maniqueu, despertado pela iniciação gnóstica (iniciação maçonica), entrou em uma parte salva e salvífica da humanidade (pertence pois ao mundo da luz), tendo operado nele a separação (entre os bons e os maus) e leva a vida ascética dos eleitos. Ele é casto. Ele é sustentado pela comunidade que o alimenta, o veste, em troca de sua ação militante permanente (como o monge maniqueu ou budista, para quem o corpo não conta mais, recebe seu alimento dos “ouvintes” ou catecumenos e se contenta de meditar na contemplação....do umbigo...)
“Ele pratica uma moral que não é a moral comum mas que é interna a seita e que só os gnósticos que a compreenderam praticam entre eles (os gnósticos foram sempre antinomistas e se colocaram fora da distinção entre o bem e o mal). Os outros são irresponsáveis, agem pelo exterior (como não receberam a iniciação não são mestres de suas ações. Os gnósticos sempre negaram o livre arbítrio e o dominio da razão sobre os impulsos dos instintivos, de sorte que o não iniciado é prisioneiro de um mal que o encerra em uma fatalidade da qual não pode escapar). Seu trabalho consiste em propor a Gnose, a resolver os problemas na aplicação estrita da doutrina, a mostrar o exemplo, a subir para o cume onde estão os despertados, os conscientes.
“Por um lado, entretanto, ele difere do perfeito. Ele é sem rito, sem transcendencia. A mistura cósmica da Gnose clássica enviava a uma metafísica geradora dos atos religiosos. A cosmologia materialista torna o homem solidário ao universo, mas de um universo imanente, mecânico, tal como o mostra a ciência, fora do qual não há evasão...
“O revlucionário, no fundo de seu ser, não somente de palavras mas em ato, rompeu todo laço com a ordem pública e com o mundo civilizado todo inteiro, com todas as leis, conveniências, convenções sociais e regras morais deste mundo (é o antinomismo fundamental dos gnósticos). O revolucionário é um inimigo implacável e não continua a viver senão para o destruir mais seguramente... Como o “perfeito”, o revolucionário opera um grito na mistura impura, contribui para a destruição das partes más, de modo a deixar escapar as parcelas luminosas que são mantidas aprisionadas...(as almas, pois).
Final da citação.
Neste texto, digno de atenção, o autor, Alain Besançon, diz todo o essencial; mas pára no meio do caminho das conclusões que é preciso tirar. Ele constatou uma “retomada de atitudes intelectuais do mesmo tipo em circunstancias históricas diferentes”. Mas para que essas atitudes intelectuais pudessem continuar do mesmo tipo no decorrer dos séculos, quaisquer que sejam as circunstancias históricas, é que elas sejam comandadas por uma concepção de vida, uma doutrina fundamental, idênticas.
O revolucionário marxista, como o perfeito maniqueu ou budista, podem muito bem não ter uma noção explicita, esta doutrina fundamental manda, entretando, malgrado sua ignorância, todo seu pensamento e sua atitude diante do mundo e da vida. Sem dúvida, Alain Besançon notou pontos comuns de doutrina de uma parte e de outra: antinomismo, despertar da luz, a iniciação, as parcelas de luminosas aprisionadas, etc...
Qual é pois, esta inteligência sobre-humana capaz de colocar dentro de uma mesma “caixa” a razão de ser de duas atitudes análogas, aquela do perfeito maniqueu e aquela do revolucionário marxista? Não vejo senão uma possibilidade, aquela de Lúcifer.
E de uma necessidade lógica, a identidade das atitudes, a analogia dos pensamentos não encontrando em outros lugares explicação adequada. Atingimos aqui em um combate sobrenatural. Tentaremos representá-lo.
O monge budista ou maniqueu (é a mesma coisa), não conheceu a razão última de sua atitude. É vitima de um engano satânico. O marxista revolucionário não o conhece melhor a finalidade de seu combate, senão em um sonho irrealizável. Ele também é vitima do Demônio.
“Quos vult perdere, Jupiter dementat”. Àqueles que quer perder, Lúcifer tira a razão. Em seu ódio contra a ordem do Criador, o Demônio se lançou sobre o homem para o fazer seu escravo e o atrair para seu domínio, o Inferno, por isso ele o ataca em sua faculdade mestra, a razão, “imagem de Deus no homem”.
Ele murmura no ouvido do gnóstico: “Meu pobre amigo, como você é infeliz, foi o Criador que te lançou do céu abaixo e te mergulhou em um mundo de infelicidade. Reconquiste, pois, teu dominio divino. O melhor a fazer é se desembaraçar de teu corpo inútil, de fugir deste mundo hostil e inviável e de te fundir no cosmos.” E, em última instancia, o gnóstico não pode desejar senão o suicídio.
Ele murmura igualmente ao ouvido do revolucionário: “Meu pobre amigo, como tu és infeliz...(o mesmo refrão em todas as ocasiões)... O melhor mesmo é destruir este mundo de infelicidade para o reconstruir segundo um plano maravilhoso. Coragem! Coloque fogo e derrame sangue em seu país! Eu te ajudarei!” quando o revolucionário acabou sua tarefa, não lhe resta mais nada a fazer senão contemplar a extensão do desastre; mas se sente incapaz de reconstruir qualquer coisa que seja sobre esta terra, senão o Inferno.
Tais são os murmurios de Satã. Ora, Lúcifer é um abominável mentiroso. Ele sabe que a Criação é a obra mestra de Deus, que as infelicidades dos homens vem do mal uso que fazem. Ele sabe muito bem que o homem, mesmo com sua ajuda, não possui em si mesmo, nenhum meio para se divinizar. Este não é, alias, o objetivo de sua manobra, pois que, ao contrário, ele se esforça para reduzir o homem ao estado de bruto. O gnóstico, mergulhando seu espírito no vazio, o revolucionário o reduzindo ao estado de animal sanguinário.
Sobre um ponto importante, Alain Besançon notou bem uma diferença entre o gnóstico que guardou alguma ilusão de ideal religioso e o revolucionário completamente submergido no universo da matéria inerte. É verdade, como mostramos em outro lugar(2), que a Serpente aperfeiçoou sua estratégia. Se esforçava por fazer parecer aos olhos do gnóstico de outrora a esperança de uma ascenção ao mundo da Luz, um voo no Azul. Hoje é uma miragem que ele propõe: uma queda no mundo da matéria, um mergulho no nada cósmico, um retorno ao estado mineral, na matéria bruta...
CONCLUSÃO
A Maçonaria, nós já o dissemos, é “a Congregação Militante da Gnose”. Ela transmitiu o veneno de sua doutrina na França no decorrer do século XVIII e assim preparou o grande cataclima da Revolução. Ela transmitiu o mesmo veneno a Rússia no século XIX e provocou, segundo o mesmo processo, a Revolução Bolchevique.
Nestes dois casos, o mecanismo revolucionário funcionou do mesmo modo. Em um primeiro tempo, as lojas investiram na elite intelectual do país e prepararam um geração de espíritos a beberem em “grandes goles” os princípios revolucionários apresentados como um licor inebriante, capaz de estabelecer o reino da felicidade perfeita e da Paz Universal. Toda esta elite, assim iluminada, se joga com prazer e com paixão em todas as novidades que lhe são apresentadas com uma arte diabólica de equívoco e de mentira.
Em um segundo tempo, uma nova geração, alimentada desde o berço nesta verborragia humanitária, se joga com violência na ação para realizar, enfim, o Paraíso, tanto esperado, sobre a Terra. Neste momento os revolucionários começam “A Grande Obra” ou preparam “A Grande Noite” com a certeza que eles não encontrarão mais resistência daquela elite que eles desarmaram.
Quando a operação está acabada, uma parte desta elite, a menos pervertida, começa a abrir os olhos e a compreender que foi enganada. Mas que perdeu o poder real e se esforça por retomá-lo, mas com más condições e com alternancias de crises de coragem e de abatimento. Estes são os exércitos de imigrantes em 1792, os exércitos brancos em 1920. Tentativas votadas ao fracasso. Não se repreende as “cabeçadas” dadas por uma autoridade que se perdeu porque não tinha ou não teve a coragem e a energia de resitir a penetração insidiosa dos venenos mortais da maçonaria. O esforço de tais tentativas é bem meritório. Existe uma justiça nisto e Deus não tem a obrigação de substrair os homens que abandonaram seus deveres de estado entregando a Cidade Cristã da qual lhes fora confiado o cargo, às consequencias naturais de suas fraquesas ou de suas burrices. Devemos lamentar a infelicidade dos povos que foram mergulhados no fogo e no sangue pela falta daqueles que tinham o cargo de as proteger e de promover o bem comum da civilização cristã.
(2) - Cf: Gnose et Littterature
NOTAS BIBLIOGRAFICAS
- E. DENISSOFF : "L'Eglise russe devant le Thomisme" (Vrin, 1936). O autor mostra bem as consequencias desastrosas devidas a ausência da escolástica na Igreja Russa.
Sur la vie religieuse et intellectuelle :
- N. BRIAN-CHANINOV : "L'Eglise russe" (Grasset, 1928)
- Nicolas ARSENIEV : "La Sainte Moscou : Quadro da vida religiosa e intelectual russa no século XIX" (Coll. Russie et Chretienté, Ed. Du Cerf, 1948) muito interessante.
- Eugène PORRET : "La philosophie chrétienne en Russie : Nicolas Berdiaeff" (Ed. de la Baconnière, 1944)
- Divo BARSO'ITI : "Le Christianisme russe" (Casterman, 1963)
- Mgr d'HERBIGNY : "Un Newman russe : Vladimir Soloviev - 1853.1900" (Beauchesne, 1934)
Sobre a literatura russa moderna :
- E.M. de VOGUE : "Le roman russe" (Plon, 1910)
- Henri de LUBAC : "Le drame de l'Humanisme athée" (Spes, 1944) especialmente a terceira parte intitulada: Dostoievski profeta”.
- Jean BOURDEAU : "Tolstoï, Lénine et la Révolution russe" (E Alcan, 1921)
Sobre a revolução bolchevique :
- Alain BESANCON : "Les origines intellectuelles du Léninisme" (Calmann-Lévy, 1977), muito importante a leitura, ler atentamente e completar a leitura com ...
- Maurice PALEOLOGUE : "Les precurseurs de Lénine" (Plon, 1938)
Tradução : Rafael Horta
Extraído do Sumário 26, do Centro de Pesquisas sobre a penetração e o desenvolvimento da Revoluçao dentro do Cristianismo, Saciedade Augustin Barruel, páginas 22 a 35.
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